O experimentalismo permeia meu processo criativo abrindo caminhos para a manifestação da intuição que atua como meio de exploração da linguagem poética-visual construída através de acasos e pesquisas acadêmicas e autônomas no campo da arte.

O campo da arte, entendido enquanto história e contemporaneidade, constitui meu “objeto de investigação”, com vista às delimitações que nele existem enquanto configuradoras de sistemas. Sistemas existem fundamentalmente para organizar elementos dos quais o homem se respalda para viver, tanto em termos organísmicos, biológicos, geográficos, quanto àqueles referentes aos processos pós- civilizatórios e à esfera sócio-política da vida. Pressupondo que há, portanto, uma divisão entre dois mundos principais: o orgânico e o “suplementar”, podemos dizer que o homem vive enquanto corpo semiológico atuante e integrante de ambos os mundos e em constante conflito pulsativo para movimentar-se e confluir com a produção vivente.

As imagens que consigo compor e dar vazão através de minhas pinturas e desenhos são sumariamente gestualidades que apresentam tensões e conflitos entre elementos abstratos e da natureza, dando vazão a figuras que nem sempre foram intencionalmente projetadas. Muitas vezes, essas formas podem ser associadas ao mundo “invisível” orgânico, relacionados à parte interna dos corpos vivos e também dos organismos de inúmeras naturezas e seus respectivos habitats. O principal signo que percorre meus trabalhos está associado a veias, galhos, fios, linhas, caminhos, linearidades que remetem às infinitas variações da reta uma vez “encurvada”. Para uma reta se encurvar, é necessário algum ponto de tensão e obviamente, certa maleabilidade da própria reta em si, que pode ser imaginada, desta forma, enquanto linha. Partindo do pressuposto que todo desenho parte de um ponto e, ao “caminhar”, constrói uma linha para algum sentido possível, entendo que tento trabalhar a natureza do ato de riscar sobre algum suporte.  Quando uso pincel, também procuro percorrer o mesmo sobre a superfície de forma a confluir com esse processo intuitivo-gestual da linha do desenho, mesmo que com alguma forma antes pensada e projetada à lápis. Acredito que há nessa forma de criar, um conforto com o campo estético da abstração onde figuras podem surgir de maneira a propor uma ideia mais conceitual para a cena em questão.

Em relação aos conceitos aqui previamente descritos sobre os sistemas, portanto, acerca do “mundo orgânico”, temos os sentidos do corpo do artista, no caso os principais em ação: o tato e a visão compondo a coordenação e o movimento dos seus gestos. Essa influência orgânica em contato com o “mundo suplementar” dos materiais: tintas, suportes, pincéis, canetas, lápis, ao meu ver constroem a magia do estado potencial da criação artística.  Ao longo da história da humanidade, sabemos da existência da magia e da ancestralidade enquanto campos de estudo, investigação, manipulação e conhecimento das coisas do mundo. Ao pensarmos em coisas, podemos subentendê-las enquanto objetos, símbolos, entes que estão espalhados dentro de todos os sistemas humanos, provenientes de processos civilizatórios e de formas ancestrais de vida, tendo sempre a natureza como berço dessas existências e fonte de energia. Em relação aos processos pós- civilizatórios, minhas preocupações enquanto artista são no sentido da política e da sociedade, e dentro deste escopo, temos a moral, a ética, os valores, os ideais. Ao tratarmos de estética na arte, acredito na importância de, todavia, nos desvincularmos dos ideais de belo que por incrível que pareça, segundo minhas aflições, ainda povoam e compõem grande espectro da produção das artes visuais atuais, por mais que tenhamos uma enorme gama de artistas importantes que se distanciaram e seguem se distanciando de tal exigência. Pois vivemos em uma sociedade do espetáculo pautada nas aparências e viciada na imagem enquanto indício de verdades sobre formas de comportamento e de existência cotidiana. A máquina de personalidades e do consumo, o marketing pessoal e a preocupação cada vez mais atenuante acerca do parecer, do mostrar-se ao outro antes de veemente ser e atentar-se à importância da complexidade do fazer em preservada solitude. Somos constantemente maquinizados, rastreados, codificados, observados, e atravessados por mares de imagens e informações que fazem parte de um sistema condicionado e estruturado para que não consigamos ser de outro modo. O modus operandi da contemporaneidade é infalível e de alguma forma sinto que há um processo de fusão intensamente fortificado entre nossos corpos (toda sua organicidade) e todo o sistema suplementar artificial das máquinas, computadores, e aparelhos, tendo como principais “pontes de ligamento” os fios elétricos, as infinidades de cabos, as ondas magnéticas, nosso sistema nervoso e todo o sistema nervoso da terra em interações conflituosas, atenuantes, trágicas, dramáticas, acidentais, cheias de erros e monstruosidades incontroláveis.

Acredito no desenho e na pintura como acesso à essas zonas de conflito. Também acredito no desenho e na pintura como acesso à memória ancestral. Há um caminho de cura, e há um caminho do homem pós – civilizado.  Acho importante trazer à visibilidade minhas impressões oníricas das zonas de conflito acima citadas. Acredito que nelas existam um potencial de afetação que ultrapassa o ultrajado ideal de belo na arte. Acredito na força da Estética do Estranhamento. Acredito na importância crucial da preservação da arte e do conhecimento das culturas das origens, e acredito que um artista pode ser um xamã moderno. Acredito na relação entre semiologia e magia oculta e na aproximação da cultura do underground com a cultura popular.